Ter uma alimentação restrita e com muitas limitações é uma das principais características da seletividade alimentar. Vem entender como ela acontece, a associação com outras condições de saúde e como lidar.
A diversidade alimentar é uma das principais fontes de saúde. Dar ao corpo todos os nutrientes que ele precisa é o ponto inicial para um desenvolvimento saudável, em conjunto com o exercício físico, o sono de qualidade e a gestão do estresse. Por isso, priorizar uma dieta variada desde a infância é uma ótima estratégia para viver de forma sadia.
Por outro lado, quando determinados tipos de alimentos são rejeitados e não fazem parte do cardápio, o nosso organismo pode ser privado de nutrientes importantes. E é o que costuma acontecer com quem apresenta seletividade alimentar. Nesses casos, para ampliar a dieta é preciso vencer barreiras e restrições, muitas vezes iniciadas na infância.
Neste texto, saiba mais sobre a seletividade alimentar e como lidar com ela para manter a alimentação de crianças e adultos equilibrada.
O que é seletividade alimentar
A seletividade alimentar, também conhecida como picky eating, é uma condição comum principalmente em crianças, e pode dar origem ao Transtorno Alimentar Restritivo Evitativo (TARE), condição onde podem acontecer déficits ou carências nutricionais, além de atraso no crescimento e/ou desenvolvimento infantil. Mais do que apenas ser uma pessoa exigente na hora de escolher as refeições, quem tem seletividade alimentar costuma escolher os mesmos alimentos, ter aversão sensorial a certos sabores, texturas ou cores, assim como pode apresentar pouco apetite e interesse em comer.
É interessante destacar que a seletividade alimentar está facilmente relacionada com a alimentação na infância, e também com algumas condições de saúde, como o Transtorno do Espectro do Autismo – TEA. Mas saiba que ela também pode atingir pessoas na fase adulta. E esses são alguns dos pontos que vamos abordar no decorrer do texto.
Seletividade x alergia x restrição
É importante ressaltar que seletividade alimentar é diferente de alergia ou restrição alimentar. As reações alérgicas a alimentos como frutos do mar, por exemplo, ou a rejeição a alimentos com glúten e lactose, são condições que costumam ser associadas a uma reação anormal do organismo, que confunde esses nutrientes e compostos como ameaças.
No caso da seletividade, os alimentos não necessariamente ocasionam algum tipo de reação ou desconforto. Mas também não ficam apenas no âmbito das preferências de cada um. Resistência para provar alimentos e a alta rejeição de determinadas categorias alimentares faz parte do comportamento de quem tem seletividade alimentar e a aproxima de outros fatores além da nutrição e condições fisiológicas, como saúde mental e questões comportamentais.
Seletividade alimentar infantil
Quando falamos de crianças com ingestão seletiva, elas podem apresentar seletividade leve ou alta, ou ainda estar associada a alguma doença orgânica. Segundo o Guia de orientações – Dificuldades alimentares da Sociedade Brasileira de Pediatria, as crianças que apresentam seletividade leve são as que comem uma menor variedade de alimentos e não aumentam essa variedade mesmo ao serem expostas. É comum que elas cresçam e se desenvolvam adequadamente, pois, apesar da seletividade, normalmente conseguem consumir um montante adequado da maioria dos nutrientes. Além disso, conflitos familiares e coerção durante as refeições podem piorar o caso, levando à ansiedade, à agressividade ou a quadros depressivos na criança.
Já as com alta seletividade apresentam resistência mais intensa e persistente a alimentos específicos, que têm um sabor, textura, odor ou aparência particulares. Esses casos podem começar ainda na fase de lactentes diante da dificuldade com a consistência dos alimentos.
É comum que as crianças com essa condição só aceitem alimentos com as mesmas características, grupos alimentares, marcas ou formas de preparo. Ainda podem demonstrar irritabilidade, náusea ou vômito ao serem encorajadas a experimentar novos alimentos. Esse tipo de seletividade é frequente em pacientes com transtorno do espectro autista e outras condições.
Seletividade alimentar em adultos
Segundo a Associação Brasileira de Transtornos Alimentares, os adultos com TARE costumam consumir alimentos específicos, rejeitam novas opções e têm dificuldades sensoriais com determinados alimentos. Desinteresse pela comida, medo ou preocupação com as possíveis consequências desagradáveis ao consumir alguns alimentos também podem estar presentes.
Ainda, só consomem aqueles que avaliam seguros conforme seus critérios pessoais, que geralmente não fazem muita diferença ou sentido para as demais pessoas.
Crianças e adolescentes com dificuldades alimentares não tratadas podem evoluir para adultos com TARE. Por isso, é essencial saber que seletividade alimentar em adultos não é uma questão de “frescura”. É importante investigar para não restringir a ingestão adequada de nutrientes nessa fase da vida e evitar ou corrigir possíveis deficiências nutricionais.
O que causa a seletividade alimentar
Existem alguns possíveis fatores biológicos e psicológicos associados à seletividade alimentar, como:
- Condições de saúde: disfunções como transtornos do espectro do autismo, de processamento sensorial e distúrbios gastrointestinais podem favorecer a seletividade alimentar.
- Questões emocionais: estresse, ansiedade, transtornos alimentares e outras condições emocionais.
- Alta sensibilidade sensorial: dificuldade com texturas, sabores, odores e cores de alimentos.
- Família: o ambiente familiar, a rotina das refeições, o que é oferecido e como os pais lidam com a alimentação.
- Experiências desagradáveis: alergias, intoxicação e até a ingestão forçada de certos alimentos na infância.
- Genética: pode ocasionar interferência nas escolhas dos alimentos.
- Cultura: a disponibilidade dos alimentos conforme a cultura ou a região.
Características da seletividade alimentar
- Comer apenas alimentos que são vistos como seguros ou aceitáveis, ou seja, não há rotatividade alimentar. Essas pessoas desenvolvem o hábito de comer sempre o mesmo alimento, textura e tempero, o que leva a uma certa monotonia alimentar.
- Alegar que não gostam de determinados alimentos, antes mesmo de experimentá-los.
- Normalmente a escolha é sempre pelos mesmos alimentos, determinadas marcas ou mesmo a temperatura em que serão ingeridos (frio ou quente).
- Aversão a grupos alimentares inteiros, como frutas, vegetais ou leguminosas.
- Sensação de angústia quando são encorajadas a experimentar alimentos diferentes, seja por causa de uma fobia ou medo de engasgar ou vomitar.
- Náusea e vômito ao se deparar com a necessidade de comer novos alimentos.
- As crianças fecham a boca para evitar de qualquer maneira a ingestão de um alimento diferente.
- Sensibilidades alimentares associadas ao excesso de determinado nutriente no organismo, como resultado da não rotatividade na ingestão de alimentos.
- Associação com sintomas psicológicos como ansiedade e depressão, bem como convívio social prejudicado.
Carência nutricional
Uma alimentação muito restrita dificulta a ingestão de micronutrientes. Isso, porque as vitaminas e minerais são encontrados em grupos alimentares diferentes.
A vitamina C, por exemplo, é encontrada em frutas cítricas. Já a B, encontra-se em cereais, carnes e vegetais de folhas verdes, que também possuem outras vitaminas, como a A, D, E e K. Essas também podem ser encontradas em outros alimentos, como produtos lácteos, oleaginosas e peixes.
Da mesma forma, os minerais e oligoelementos, como o ferro, zinco, cobre, iodo, flúor, entre outros. É fundamental uma alimentação diversificada e que inclua todos os grupos alimentares, para que o organismo tenha acesso a esses e outros elementos.
Embora sejam necessários em menor quantidade do que os macronutrientes (carboidratos, gorduras e proteínas), os micronutrientes são essenciais para facilitar diversas reações químicas que ocorrem no nosso organismo. Entre elas estão o funcionamento adequado ou equilibrado do metabolismo e a regulação da função celular.
Em crianças, a ingestão de vitaminas e minerais se torna ainda mais importante em virtude das necessidades do organismo para o crescimento e desenvolvimento adequados. Por isso, é fundamental uma alimentação saudável infantil, longe dos ultraprocessados, dos malefícios do açúcar e do excesso de gorduras.
Seletividade alimentar e o autismo
É comum que pessoas diagnosticadas com Transtorno do Espectro do Autismo (TEA) apresentem também diagnóstico de TARE. A prevalência de problemas alimentares em crianças com TEA é 5 vezes maior do que nas neurotípicas. Uma publicação apontou que a maioria das crianças e dos adolescentes com TEA avaliada demonstraram seletividade alimentar associada a fatores sensoriais. Isso se deve, provavelmente, porque as diferentes cores, cheiros, sabores e texturas dos alimentos podem tirá-las de suas zonas de conforto.
Como esses pacientes apresentam comportamentos restritivos, seletivos e repetitivos, essas variações tendem a resultar em desinteresse e recusa para determinados alimentos. Nesse sentido, alguns pesquisadores têm sugerido que a seletividade alimentar nesses indivíduos pode estar relacionada à disfunção do processamento sensorial, ou seja, à capacidade de registrar, processar e organizar informações sensoriais e executar respostas às demandas, que podem se manifestar como hiper ou hipossensibilidade aos estímulos. Ou seja, algumas pessoas com TEA parecem ter menor sensibilidade ou responsividade a sabores doces, azedos ou amargos, por exemplo.
Um ponto interessante é que a seletividade alimentar nesses casos pode melhorar com o passar dos anos, como foi identificado em um estudo que avaliou crianças com TEA em diferentes momentos da vida, e sugeriu que a recusa alimentar melhorou de forma geral no período da pesquisa, mas não foi observado um aumento no repertório alimentar.
Ainda, uma revisão associou a seletividade alimentar com distúrbios gastrointestinais em crianças com TEA, visto que essa restrição nutricional impacta nas concentrações de macro e micronutrientes com capacidade modulatória da microbiota intestinal, o que pode promover a disbiose intestinal. Essa condição contribui com a alteração da permeabilidade intestinal e com o desencadeamento de distúrbios gastrointestinais.
Como evitar a seletividade alimentar
Os estudos indicam que, na maioria das vezes, o transtorno alimentar seletivo tem início na infância. Confira alguns pontos importantes no processo de formação do paladar da criança:
- A amamentação é um facilitador para a aceitação de novos alimentos, já que as variações na dieta da mãe se refletem nas características sensoriais do leite materno. Assim, quanto mais variada a dieta da mãe, o paladar da criança tende a ser mais variado.
- Por outro lado, é recomendado que não se atrase a introdução gradual de alimentos sólidos na dieta do bebê, como o método BLW. De acordo com a Sociedade Brasileira de Pediatria, o processo de introdução da alimentação complementar deve ter início aos 6 meses. Nesse período é ainda mais importante alternar as formas de preparo e textura dos alimentos oferecidos.
- A maneira de oferecer alimentos também deve ser variada, como alternar entre dar comida na boca ou deixar comer sozinho, assim como oferecer os alimentos em diferentes locais da casa e deixar a criança explorá-los por conta própria.
- A família e os cuidadores devem prezar pelo ambiente onde a criança se alimenta. Se um ambiente é agradável e novos alimentos são oferecidos sem coação, a criança fica muito mais disposta a desenvolver preferência por eles.
- Diante de sinais de seletividade alimentar, é fundamental procurar ajuda profissional de médicos, nutricionistas e psicólogos para crianças e adultos.
Como lidar com a seletividade alimentar
O que vem sendo praticado é uma abordagem multidisciplinar, com participação de nutricionista, psiquiatra ou psicólogo e clínico geral ou pediatra. Nesse contexto, algumas práticas vêm demonstrando bons resultados. O ponto de partida do tratamento do transtorno alimentar está na aceitação do diagnóstico e na consciência dos efeitos da seletividade alimentar para a saúde e para as relações sociais. Nesse momento também é importante que familiares se engajem ativamente no tratamento, sempre respeitando o processo de cada pessoa, seja ela criança ou adulta.
7 dicas para lidar com a seletividade alimentar infantil
- Priorizar por um bom ambiente de refeições, seguindo conceitos como o mindful eating, que descarta o uso de eletrônicos à mesa e defende uma ligação maior com a comida.
- Evitar discussões ou cobranças no momento da alimentação, deixando a criança livre para escolher e quantificar o que vai comer.
- Organizar a introdução de novos alimentos ou forma de preparo, ressaltando as semelhanças com alimentos aceitos e sua importância para a saúde.
- Propor estratégias para, aos poucos, introduzir uma alimentação mais saudável e variada. Por exemplo: crianças que só aceitam um determinado alimento, como batata, oferecer outros tipos de batatas ou alimentos semelhantes. Da mesma forma, no caso de texturas. Crianças que só comem purê de mandioquinha podem considerar comer outros tipos de purês feitos com alimentos com outro perfil nutricional.
- Administrar a ansiedade por resultados e evitar cobranças, pois pode prejudicar o engajamento e a própria continuidade do tratamento.
- Monitorar a carência de nutrientes e, diante da recomendação, optar por um suplemento alimentar infantil que supra essas necessidades.
Por fim, como se pode perceber, a seletividade alimentar é um tema muito associado à alimentação na infância, fase em que a nutrição tem um papel poderoso para o desenvolvimento não só do paladar, mas como de todo o organismo.
Siga a leitura e confira o artigo sobre o poder da alimentação saudável na infância.
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